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A Terceira Veladora, personagem de O Marinheiro, de Fernando Pessoa

Lícia Gomes

      A Terceira veladora nega que em pouco tempo será dia, pois o horizonte é negro. Pergunta-se por que não há relógio no quarto. Não se importa em quando virá o dia, pois vem sempre da mesma maneira. Ela não fala, pois acha que suas palavras se perderão no passado. Tem medo, falar é um mistério. Não tem segurança de que o que ela fala é realmente o que sente. Para ela, não vale a pena contar, pois ao contar se chora um passado que não é o dela. Pede para falarem da morte para sentir razão para recordar.

        Ela propõe passear e buscar sonhos. Conta que ao pé da casa de sua mãe corria um riacho e indaga o motivo dele correr e sua distância; e se há razão para qualquer coisa ser o que é, como suas mãos, que são verdadeiras e reais para ela. Conta que já não se lembra de quem era outrora. Viveu sobre as sombras dos ramos, sua sombra era fresca. Quando se olhava nos lagos tinha dentes misteriosos de sorriso independente do dela. Não sabia por que sorria.

         Diz que a Segunda veladora conhece palavras que as sereias lhe ensinaram e adormece para poder escutar. Pede para que ela conte o sonho depressa, que volte ao sonho do marinheiro. Pergunta da necessidade de ter havido o marinheiro e a ilha. Achou belo escutar o sonho, mesmo não valendo a pena; pois isso era belo.

          A voz a deixou descontente por ser música, talvez. Sente horror. Ouvia a voz, a segunda e o sentido das palavras como três entes diferentes. Avisa que chegou a hora. Que acordou alguém, que entrará e tudo acabará. Fala para acreditarem que tudo foi um longo sono. Diz que é dia e vai acabar tudo e que de tudo fica, que só é feliz porque acredita no sonho.

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