Pele Tecido: pele em processo
Nanci de Freitas
O livro de poemas Pele tecido apresenta uma estrutura em 20 Cantos, um Prólogo e um Epílogo, pelos quais o poeta/tecelão realiza um percurso em busca de si e do mundo, numa tessitura da linguagem e da arte. O corpo e a língua são os canais por onde se faz a travessia e a costura. O conjunto dos Cantos se organiza como uma (quase) narrativa do trajeto por onde “todas as linhas foram trançadas”, composto por episódios do caminho do poeta-tecelão, que começa pela indicação: “Há fim sempre que se faz início”. E numa perspectiva do “Lá” como ponto de fuga e de chegada, tecido pelo acaso, ação, enlace, o momento do gesto e da força. Conectando o fluxo e o devir das “melodias insondáveis do antes”, onde “o sol era só sol. o chão era só chão”, o poeta segue: “Sou a boca que canta. Sou som da boca. Sou só boca. Sou início”. No Canto matinal, algo tece e nasce do sol: “Meu corpo no sol/todo o sol no meu corpo/sol/meu corpo/meu corpo sol/todo dia é/ brilho vivo”.
O poeta-tecelão mergulha em si, no seu silêncio, som e fala. “Tecer-se/ em cada linha que cruza/ em cada ponto que surge/ em cada salto que escapa”. Atravessa, rompe o tempo-espaço e busca a velha fala para construir a sua. Não nega os mestres. “Reinvento a necessidade de penetrar o corpo da língua. As coisas devem novamente ser ditas”. TEAR. Na linha escrita da arte e da vertigem de existir, a consciência do ser, de estar, de ter um fio. E o receio: “Serei só o número ímpar no destacamento?” A busca alucinada de contato: “Não quero ser no sou só. Encontrar fios”. “Eu preciso!” E desistindo: “Me esqueça!”. Para então continuar de novo nas miragens e novas buscas: muitas rotas, plantas, milhas. Na estrada. Na busca de um dia perfeito. E do som.
A travessia tem seu (des) limite: “o instante é a única medida agora”. O poeta enfrenta portas que precisam ser rompidas: “A porta cede, sede aberta”. Atravessamentos. Solto no labirinto: “Eu vejo tantas coisas, vejo cem partes das coisas, rua aberta, suas pernas abertas”. E uma rede direta (com armadilhas no meio, as tentações!), mas atento e forte: “A minha fortuna é olho aberto”. Cruzando a ponte coberta, túnel dos muitos lugares, “é necessário manter o corpo aberto/ o topo aberto/o toque aberto/o foco aberto/manter aberto tudo que escoa/tudo que esvai”. Passagens pelo “meio infindável sem fim”, paisagens e miragens do outro: espreitando o todo, o “todo dia é”, “o que não acaba/ meio/ chegada/fim entrada/meio/fim/meio”.
No projeto pele poesia tecido de Ericson pulsam elementos dramáticos, que sugerem a presença de interlocutores a quem o poeta se dirige e busca encontros. “O tecelão segue”. Fazendo com ele o percurso cênico que inventamos, somos o poeta e seu lirismo, subvertemos o conflito e mergulhamos nas estações de seu drama indivíduo-coletivo. Para chegar no lugar algum em que “haverá sempre o que não termina, o que não começou, o que já era”. Mas poderá haver. “Haverá o outro, Os outros, o diferente, a diferença”. Haverá sempre o início e o fim. Todo dia será sempre o primeiro: “Esta a ciência do espanto: Importante é andar, seguir. Haverá sempre o dia 1”. Para, enfim, poder sambar: “saio/ sambo inteiro/deixo minha pele tecido brilhar/não ando mais/sambo/ – e viva a geral!!!”
Foi brincando seriamente na tentativa de viajar junto com o tecelão, que o coletivo formado para esta travessia se viu solto no labirinto de Ericson, entrelaçando palavras, sons, corpo, imagens, afetos, cores e vozes híbridas, mesclando falas e registros, presença e ausência, para o encontro que aqui se busca.
Nanci de Freitas.
Rio de Janeiro, 17 de novembro de 2015.