Eu, você, elas, nós
Performando narrativas de amor entre mulheres.
Dissertação de Mestrado de Andrea Pech.
Orientação: Profa. Nanci de Freitas
PPGArtes - Programa de Pós-Graduação em Artes
Instituto de Artes da UERJ
Esta pesquisa elabora e reflete sobre performances que abordam narrativas autobiográficas de amor entre mulheres. Por meio de ações e textos reúno memórias, desenvolvendo sobre relacionamentos passados e propondo uma relação com o espectador/participante/leitor.
Revelo intimidades, respondendo a este tempo de ameaças conservadoras a partir de operações micropolíticas. A ficção que desenvolvo a partir de minha vida desenha possibilidades de identidades lésbicas e ideais de amor, que se dá por meio de uma escrita do corpo. Insiro a palavra em meus trabalhos como ato performativo, considerando a potência transformadora de fazer a voz reverberar no corpo presente. Os textos combatem um constante apagamento de narrativas lésbicas, sugerindo modos de exercer o amor como força política.
Foto George Magaraia
Eu
O sujeito que fala é constantemente formulado: se imagina, se afirma, se refaz por meio de textos, imagens, ações e vivências. Toma a palavra para desenvolver uma construção, uma autoficção sobre memórias afetivas. Escrevi sobre meus amores, às vezes tendo em vista uma ação artística, às vezes pensando o próprio texto como meio. A escrita não é apenas um registro do eu e de sua memória, mas também o lugar onde o eu se constitui, conforme Foucault elabora em A escrita de si (2004). Os textos que se inserem nas performances tomam diferentes formas, da grafia das palavras ao tom do meu discurso. Escrita no espaço e no corpo, escrita que revela e formula o eu, escrita como espelho.
Performance: Quero contar-lhe uma história
Apresentada na Mostra Mulheres em Cena organizado pelo Mirateatro!
O espelho é uma das figuras que permeia esse trabalho, onde tenho a estranha percepção de ver-me como outra. É no espelho que o sujeito se constitui, em relação com o outro (LACAN). Para além deste objeto, a compreensão do reflexo se expande: vejo-me não apenas na minha imagem que é apartada de mim, mas também em meus textos e no encontro com o outro. As histórias das minhas relações partem do meu corpo e também se inscrevem sobre ele. Quando escrevo separo-me de mim, enquanto na leitura torno-me presente em meu corpo. Durante ações artísticas, minha voz reverbera, me transformo e ao mesmo tempo faço emergir corpos que estão ausentes, fantasmas de minhas relações passadas sobre os quais construo minhas narrativas. Neste movimento, o eu se constitui na relação com o outro, relação especular.
Foto: César Germano de O. Costa
Foto: Elaine Cimino
Eu e você. Eu e elas.
Em minha escrita, diálogos sugerem relações. Os pronomes você e elas dão lugar ao outro, mesmo quando ausente. Meus interlocutores e minhas personagens tomam posições intercambiáveis: dirijo-me a elas; depois, volto-me a você; falo com elas para alcançar você, ou com você refletindo sobre elas. Vou de encontro a diversos outros para me revelar. Ensaio um encontro irreal onde meus amores se juntam, que chamo de heterotopia pessoal, partindo do pensamento de Foucault (2009). A heterotopia se parece com a utopia (ambas são espaços onde posicionamentos a princípio incompatíveis se combinam), mas, diferente da utopia, a heterotopia ocupa um lugar físico no mundo, que causa naquele que o adentra a sensação de ser atraído para fora de si. Acredito na arte como produtora de heterotopias e entendo que, no meu trabalho, evoco temporalidades e espaços distintos, criando um diálogo com meus fantasmas. Todos os elementos que envolvem a ação colaboram para a ativação de outro espaço. Transformo o “eu e você”, indicativo de intimidade, em “eu e elas”, que torna as narrativas públicas. Nesse movimento, dirijo-me a um novo “você” (leitor, participante).
Eu e você e elas: Nós
Eu e elas formamos um nós: mulheres que amam mulheres. Você, ao escutar nossas histórias, pode se relacionar e, assim, se inserir também neste pronome. Nós: conjunto de seres que amam, de corpos que pulsam de desejo. Por meio de performances, do encontro dos corpos, delineia-se uma relação entre eu, você e elas. Na escrita, amores são reinventados e rearticulados. Elaboro outro espaço entre a arte e a vida, o público e o privado, que opera políticas de afeto. Nós é a formação de um território comum que se constrói a partir de um empenho de amor.
Foto: César Germano de O. Costa
Livro: Eu, Você , Elas, Nós
O Livro Eu, Você, Elas, Nós: performando narrativas de amor entre mulheres está disponível para download nesse link: