(ME) NOTAS: Relato de uma experiência entre
performatividade e Biodrama
Dissertação de Mestrado em Artes, 2019.
Orientação: Profª Dra. Nanci de Freitas
A pesquisa apresenta uma reflexão a respeito da experiência cênica (Me) notas, um projeto artístico desenvolvido na cidade de Nova Iguaçu, localizada na Baixada Fluminense, região metropolitana do estado do Rio de Janeiro. No projeto, articulo uma escrita cênica que relaciona a linguagem teatral e a performance, entendendo suas aproximações e diferenciações e o diálogo com o teatro pós-dramático e o biodrama. A dramaturgia perpassa pelo dia a dia dos participantes, absorvendo medos, desejos e conflitos pessoais de cada artista, e nessa perspectiva me apropriei de exercícios do Teatro do Oprimido, fundado por Augusto Boal, e reflexões levantadas pela encenadora Viviane Tellas, que afirma que toda história pessoal é digna de ser encenada. A fim de entender melhor o universo no qual a experiência (Me) notas é desenvolvida, faço uma análise do MIT - Movimento Intergeracional de Teatro - idealizado por Luiz Guarnier, que funciona na cidade iguaçuana, percebendo nele características de um teatro de resistência tal como o Teatro do Oprimido de Augusto Boal.
Qual o sentido desta minha narrativa?
Como somos notados e como nos notamos? É uma questão que perpassou todo o processo de criação, já que a experiência cênica (Me) notas foi construída a partir das histórias dos atores e de nossas conversas nos ensaios. E é isso que o aproxima do conceito de Biodrama da encenadora argentina Vivi Tellas, que incorpora em suas peças percepções dos encontros, para responder à pergunta: qual o valor das nossas histórias?
A autonomia que os personagens de (Me) notas alcançaram só foi possível graças à liberdade que os integrantes tiveram para contar sua própria história, colocando-a em relação com outros sujeitos, em diálogo com o espaço do MIT, com a região de Nova Iguaçu e com nossa sociedade dividida. Nesta tensão dramática e ficcional, reitera-se nosso lugar de encontro artístico no espaço do comum, para o exercício da convivência e do compartilhamento de nossas dores e desejos.
O processo gerou uma escrita cênica desenvolvida nos ensaios, com a realização de relatos, improvisações e gestos performativos, resultando num roteiro textual. Durante a pesquisa, os exercícios inspirados no Teatro do Oprimido foram fundamentais para a nossa conscientização sobre o que é ser artista fora do grande eixo cultural que é a capital carioca, compreendendo os problemas políticos e sociais ao nosso entorno e dos grupos da Baixada Fluminense. Os personagens/atores performatizam suas próprias vidas, mas também cada um deles é um pouco de mim enquanto artista, professor e morador da Baixada Fluminense, cada drama presente em (Me) notas também é meu. Escrever sobre o outro, também é escrever sobre si, diz Foucault (1992).
A dramaturgia cênica de (Me) notas se insere no ambiente da cena contemporânea, dialogando não só com as histórias pessoais de seus atores como também questionando o próprio fazer teatral, buscando no universo do metateatro ferramentas para desenrolar suas ações. A experimentação em que personagem e ator se confundem evidencia a tensão entre realidade e ficção, característica marcante no processo de diversos artistas contemporâneos. Vejamos esta cena:
Patrícia: Oi.
Rodrigo: Oi.
(Rodrigo ameaça sair de cena. Enquanto Patrícia fala seu texto, Rodrigo fica modelando os atores que estavam paralisados até o momento)
Patrícia: Hey, você! Você pensa que sabe tudo né? Não. Você não pode ser onipresente e onisciente tal como Deus. Eu não posso acreditar que eu sou apenas um personagem dessa sua ideia louca. Autor, se você for realmente isso tudo que dizem, me dá uma luz... Me diz o porquê? Qual o sentido dessa minha narrativa? Quando eu sou eu, sou Patrícia? Deve ser muito fácil ser autor, né? Fica daí de cima dizendo o que a gente tem ou não que fazer (Bia e Marilene saem de cena)... Nãooooo! Não me tira de cena não. Eu não terminei o que eu tinha pra dizer.
Oh! Todo poderoso autor... Criador do texto em verso ou narrativo, me dê a paz de viver sabendo como. Em qual página da minha vida eu morro? Quer dizer? Eu morro nessa história? Oi.
Patrícia: Nãooooo. Essa cena de novo não... Responde minhas questões. Não me tira de cena... Não me tira de cena. Não... O meu pé tá doendo. Lembra? Mas eu não sei se é o meu ou o da Patrícia. Essa fala agora é minha? Você tá me confundindo. Não me retira de cena não. (Rodrigo escreve no caderno, encosta nos personagens que começam a tirar Patrícia de cena. Ela derruba o livro de Rodrigo, Patrícia cai no chão todos paralisam e luz se apaga).